(Marc Lacey)
O guia de turismo estava praticamente sussurrando ao apontar para a esquerda, de seu táxi sem capota. Em tom conspiratório, ele disse: "Estão vendo aquela casa? Pertence ao Chapo".
O guia retomou o volume normal de fala logo depois de dobrar a esquina, e bem longe dos ouvidos de qualquer pessoa que pudesse estar na casa que ele alegava servir como um dos esconderijos, com vista para a praia, do mais procurado traficante de drogas mexicano, Joaquín Guzmán Loeira, conhecido universalmente pelo apelido "Chapo", ou "pixote".
Ainda que Mazatlán costume vender a imagem de um paraíso costeiro no qual apenas as ondas podem ser bravias, a cidade é um polo turístico com um lado obscuro - e por isso muitos dos taxistas locais decidiram explorar essa conexão conduzindo "narco-tours".
Os mexicanos estão fatigados quanto à carnificina sem precedentes que vem acontecendo enquanto gangues de traficantes de drogas travam uma guerra contra as autoridades e entre elas mesmas. Mas a indignação traz uma pontinha de fascinação pela vida colorida dos foras-da-lei.
Baladas que elogiam as virtudes dos traficantes, conhecidas como "narcocorridos", são altamente populares, especialmente entre os jovens. E parece que existe número considerável de turistas mexicanos dispostos a pagar por um vislumbre das casas de férias e dos locais de encontro favoritos dos mais notórios criminosos do país, para não mencionar os lugares nos quais as vidas de alguns deles terminaram de maneira abrupta.
Mazatlán não é o único destino desse turismo do narcotráfico. Em Matamoros, os visitantes são conduzidos ao local no qual Osiel Cárdenas, o líder de um cartel de drogas local, foi detido em 2003 depois de um tiroteio com soldados mexicanos.
Em Culiacán, capital do Estado de Sinaloa e centro do tráfico de drogas mexicano, um dos pontos mais populares de visitação é o templo a Jesús Malverde, o bandido bigodudo que foi enforcado em 1909 e hoje é considerado como o santo padroeiro do submundo mexicano.
O cartel de Sinaloa tem um longo histórico de recurso à força letal contra aqueles que interferem com seu negócio de fornecer grandes quantidades de maconha, heroína, metanfetaminas e cocaína aos Estados Unidos.
Até mesmo traficantes precisam de uma folga ocasional, porém, e Mazatlán há muito é conhecida como um dos locais de férias favoritos do cartel, um ambiente descontraído em pleno Estado natal da quadrilha, no qual seus membros podem escapar ao estresse de uma vida no crime organizado.
Uma das paradas nas visitas turísticas ao mundo do tráfico é uma discoteca localizada à beira-mar, a Frankie Oh, que nos anos 80 era a mais conhecida casa noturna da cidade. Até que o governo a fechasse, alguns anos atrás, a casa pertencia a Francisco Arellano Félix, um dos irmãos que comandam a família dominante no cartel de Tijuana. Agora dilapidada, a discoteca tem sua fachada parcialmente encoberta por estruturas para exibição de outdoors, instaladas pelas autoridades em uma tentativa vã de encobrir o passado.
"Os funcionários do setor de turismo não desejam promover a cultura do narcotráfico", diz Silvestre Flores, um professor universitário de Sinaloa que escreveu sobre o turismo no mundo das drogas em Mazatlán. "Eles a vêem como algo que prejudica a imagem da cidade".
Flores considera que as visitas aos locais do submundo não diferem muito das turnês guias ao local dos ataques terroristas em Nova York ou aos esconderijos e estabelecimentos preferidos de Al Capone em Chicago. O crime e a morte intrigam as pessoas, ele diz.
Ainda assim, nenhum turista deseja ser vítima, e é isso que levou o Departamento de Estado dos Estados Unidos a atualizar seu relatório de viagens quanto ao México, para alertar os visitantes quanto ao perigo de serem apanhados em meio à guerra das drogas.
Talvez seja por isso que as visitas oficiais a Mazatlán optem por promover atividades mais amenas e voltadas à família, como passeios ao farol instalado no topo de uma coluna e classificado como um dos mais altos do mundo, ou ao leão-marinho do aquário municipal.
Quando foi lançada uma canção no ano passado que mencionava um dos mais famosos hotéis da cidade, El Cid, com letras que exaltavam a diversão de cheirar cocaína a noite toda em uma de suas suítes, as autoridades locais reagiram com indignação e persuadiram as estações de rádio da cidade a retirá-la da programação.
Juan, um dos taxistas que conduzem visitas guiadas, as descreve como não mais prejudiciais do que a leitura de qualquer jornal mexicano, já que estes trazem muitos artigos sobre o tráfico de drogas. Ele realiza diversas turnês por dia aos locais do narcotráfico, afirma, mas só quando os turistas as solicitam.
As visitas, pelas quais Juan cobra US$ 15 por hora, em geral são realizadas enquanto os passageiros tomam cerveja Pacifico, produzida nas cercanias da cidade, e embaladas pelo som da música norteña, que ele toca em máximo volume. Juan tem um CD que contém a canção proibida sobre o hotel El Cid, e não vê problema em tocá-la.
Enquanto percorria o principal bairro turístico de Mazatlán, certa manhã recente, Juan deteve subitamente o seu táxi, uma espécie de carrinho de golfe estendido, conhecido como pulmonía - o veículo mais comum nas áreas de turismo de mazatlán.
Ele desceu e começou a contar a história de um notório duelo a bala acontecido alguns anos atrás naquele local. Não estava de maneira alguma claro que Juan tenha presenciado o mais infame homicídio já cometido em Mazatlán, mas seu comportamento certamente parecia indicar que sim. "Bum, bum, bum, bum", ele disse, do lado de fora do táxi, enquanto se esquivava e saltava pela calçada e narrava a troca de disparos entre portadores de armas automáticas.
Ele usou as mãos para representar pistolas ao contar como Ramón Arellano Félix, irmão do proprietário da discoteca fechada e co-líder do cartel da família, chegou para matar seu rival Ismael Zambada, conhecido como El Mayo, mas em lugar disso saiu morto do combate.
A cena do crime agora é uma calçada movimentada na qual os turistas ocasionalmente caminham em sua busca de lembranças de viagem para comprar. Ocasionalmente, porém, surge um buquê de flores no local em que o crime aconteceu, deixado por um admirador - um sinal de que os cartéis continuam a dominar a imaginação mexicana.
Tradução: Paulo Migliacci ME
The New York Times
Fonte: Portal Terra
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